quarta-feira, 1 de julho de 2009

"Repara, essa minina é tão estranha"
Foi assim que acordei de minha inércia diária hoje. Não sei como, nem quando, eu tinha chegado ali, mas eu estava ali. Sentada duas cadeiras atrás do cobrador, esperando pacientemente que o sol saísse do meu rosto e fosse pro outro lado. Mecânico. Entrar no ônibus e escolher o lugar da sombra. Mecânico. Sair do trabalho, ir pra parada, pegar o cartão do bompreço, opa, o vem da bolsa e botar no bolso.Mecânico. Dar a mão quando um ônibus amarelo com os números 825 que indicam que é Jardim Brasil/Joana Bezerra estiver passando. Mecânico. Aproximar o cartão da máquina, fingir olhar quanto de crédito ainda tenho, olhar pra frente e não ver ninguém, apenas cadeiras que a escolher em qual delas minha bunda se abrigará hoje. Mecânico. Pegar o MP4 da bolsa e tentar achar alguma música que eu não esteja enjoada de tanto escutar. Mecânico. Nunca parei para reparar as músicas que os motoristas botam e ficam cantando baixinho. Nunca reparei que alguns cobradores parecem sempre estarem muito cansados de ficar sentados o dia todo. Nunca reparei que realmente quando você entra no ônibus todos te olham. Nunca reparei que algumas pessoas simplismente não conseguem não comentar sobre todo mundo que entra no ônibus. Nunca reparei que alguns passageiros te olham a cada 30 segundos só por olhar mesmo. Nunca reparei que eu nunca ando de ônibus sem meu mp4 no ouvido. E eu nunca tinha reparado que eu sinceramente não escuto muito as músicas que ouço no caminho pra casa. É só um monte de palavras, num ritmo conhecido.Mecânico.
Hoje eu não levei meu mp4, não lembrei de botar na bolsa. Ele nunca sai da minha bolsa. Acho que botei pra carregar e esqueci, eu não sei. Percebi que mesmo sem ele, eu não estou ali. Mesmo sem aquele barulho ritmado eu não escutava nada,eu não via nada, eu não pensava em nada. Estado de inércia, ou quase morte. Até que alguém do meu lado, quer dizer, na fileira do outro lado, estava conversando e olhando para mim. Visão periférica. Admito não saber o motivo de eu ter prestado atenção naquilo. Estava muito silêncio na minha cabeça. Será que inconscientemente eu sabia que aquilo era pra mim?Será que realmente era pra mim?
"Repara, essa minina é tão estranha"
"Eu vi,ela ta voando.Nem respira, repara"
"acho que isso é droga"
"tá com cara"
"tão bonitinha, chega dá pena"
"é. os jovens de hoje tão assim, eu mesmo vi um dia desses...."
Depois disso preferi não notar mais.Ok. Eu tenho cara de drogada?Ou eu estava com cara de drogada?Eu não estava nem respirando?Essas mulheres não tinham o que comentar?Elas realmente achavam isso?Eu estava mesmo estranha?Mais o que é ser estranha?É ter cara de drogada?É não reparar em todo mundo?É não me mexer a cada 10 segundos?Eu não sei. Eu não entendi.Eu até que estava me achando bem normal hoje quando olhei no espelho. Cabelo bagunçado do mesmo jeito, calça jeans, blusa preta, bolsa,sapatilha,algumas olheiras e marcas de espinha. Meu normal. Normal.
Eu não entendi.
Preciso me lembrar de sempre botar meu mp4 na bolsa antes de sair.
Barulhos ritmados me desligam de interrogações.

that´s all, folks.











Alceu Valença - Dia Branco

Um comentário:

Afense disse...

um viva para a estranhice!
\o/

:*